Dias atrás me perguntaram: - Qual o problema do reggae?
(Eu respondi como qualquer outro fã de reggae e leitor sério de Nietzsche responderia)
- O “problema” do reggae está no fato, de que ele é ainda muito "cristão", é
evidente que tem muito do cristianismo enraizado em suas letras.
Demorou bastante pra eu entender que o rastafarianismo não
é outra coisa se não uma interpretação afro da “bíblia cristã”, ou seja, Jesus
era “branco” demais para que os negros africanos acreditassem em sua divindade,
por isso foi preciso “buscar” um redentor negro para que os africanos se
reconhecessem na própria divindade.
Xenófanes foi um filósofo da época clássica que dizia:
“Se os bois, cavalos e leões tivessem mãos ou se pudessem pintar e realizar as
obras que os homens fazem com as mãos, os cavalos pintariam imagens dos deuses
semelhantes aos cavalos e os bois semelhantes aos bois, e plasmariam os corpos
dos deuses semelhantes ao aspecto que cada um deles tem”, assim como os
etíopes, que são negros e têm o nariz achatado, ou os trácios que têm olhos
azuis e cabelos ruivos, representam seus deuses com tais características.
Pois
bem, Xenófanes proferiu tudo isso para opor-se a visão antropomórfica que os
gregos tinham das suas divindades, para ele; se houvesse um deus nem por figura
nem por pensamento seria semelhante ao homem, em sua concepção deus seria o
cosmos.
Deixamos Xenófanes um pouco de lado, para sublinhar que o
cristianismo conseguiu se infiltrar em várias culturas, inclusive na cultura
reggae, sendo reformulado é claro, mas sempre mantendo aquele ar sufocante da
moral, nesse sentido o reggae não é diferente do cristianismo, mesmo não sendo aquele
reggae propriamente rasta acaba levando certos valores cristãos do tipo: paz,
amor, união, igualdade e humildade etc... Essas coisas que aprendi através da
filosofia a suspeitar e olhar mais demoradamente e com um tremendo receio.
No meu caso o reggae foi
importante durante uma parte significativa da minha vida, isso não posso negar,
serviu-me como se fosse uma lente que me possibilitava interpretar o mundo de
uma maneira diferente de como as outras pessoas o enxergavam, isso para mim era
fascinante, outro olhar, outra perspectiva, tanto para a vida como para a
música!
Porém, quando finalizei o curso de filosofia, percebi que o reggae já
não era o suficiente para continuar explicando as velhas questões, se eu
quisesse progredir, o pensamento teria que ir adiante, hoje discordo de alguns conceitos
interiorizado pelo “estilo reggae”, alias, penso que discordar é uma prática
saudável, as próprias pessoas que ouvem reggae sabe disto!
Hoje penso totalmente
diferente do que pensava em outras épocas e tenho orgulho disto! A filosofia nos
permite exatamente isto, ver diferentemente do que se vê e pensar
diferentemente daquilo que se pensa ou do que se pensou; isto é indispensável
para continuarmos a olhar o mundo e refletir!
Sou do tipo de gente que
acredita que tudo o que você pensa tem haver com as coisas que acontece ou
aconteceu com você, cá entre nós, faço a crítica porque já vivi o reggae, o
conheço por experiência, sendo assim faço a crítica também por honestidade ao
próprio reggae, por gostar do reggae em excesso.
Contudo, algumas pessoas
podem estar se perguntando “qual o problema do reggae ter inserido em sua
cultura um caráter cristão? Isso não seria positivo para o próprio reggae?”,
atesto que essa pode ser o maior engodo que poderia ter acontecido ou nascido com
o reggae, tanto faz; o fato é que introduziu em sua cultura uma moral niilista
que nega a vida. Assim como o cristianismo, o reggae também é niilista em sua
raiz, isto eu denuncio, porém, nada de novo temos aqui.
A maior parte das músicas
reggae que ouço hoje em dia é um apelo moralista barato, no sentido de que existe um padrão de conduta que a existência deve se adequar se não é logo taxado
de hipocrisia por alguma “alma santa”, Quá!
Coisas como esta empobrece o
próprio “estilo reggae”, que pode ser sim mais do que isto. Trocando em miúdos, continuamente as letras reggae vem apresentando um “lindo” esquema mental que escraviza a
própria vida (moral), isto o cristianismo já faz há séculos, ou seja, se o cristianismo
é o platonismo para o povo, o reggae é o cristianismo para os “descolados”.
Encontra-se ainda regueiros
que são mais moralistas que os próprios cristãos, isso me pegou de surpresa
algumas vezes, outros utilizam deste moralismo de boutique para proferir preconceitos
que jamais poderia existir no meio reggae, que sempre lutou contra qualquer
tipo de preconceito.
Enfim, gosto de reggae pra caralho todo mundo sabe, tenho
vários amigos que frequentam e tocam em shows de reggae, mas isso não
significa que eu não possa discordar de algumas coisas, escrevo este texto,
pois acredito que ainda haverá alguém que insistirá em “retirar” do reggae todo
esse aparato de pensamento obsoleto cristão (oposição entre bem e mal) ou desta
mesmice que vem sendo cantada desde Bob Marley (Jah, liberdade, amor,
humildade...).
O reggae tem que lançar reflexões mais ousadas e, portanto, mais
profundas, somente assim, este estilo que é relativamente novo, irá se expandir
para além daquilo que está dado, e quebrar esses paradigmas que são perpetuados
geração após geração, desde de bBob Marley, mas para isso, o reggae tem que romper com a sua origem,
todavia me parece que os regueiros não gostam de rompimento, eles gostam de
voltar às origens, a África os espera!
(Alex Domingos)