segunda-feira, 30 de junho de 2014

REGGAE E CRISTIANISMO!





Dias atrás me perguntaram: - Qual o problema do reggae? (Eu respondi como qualquer outro fã de reggae e leitor sério de Nietzsche responderia) - O “problema” do reggae está no fato, de que ele é ainda muito "cristão", é evidente que tem muito do cristianismo enraizado em suas letras.

Demorou bastante pra eu entender que o rastafarianismo não é outra coisa se não uma interpretação afro da “bíblia cristã”, ou seja, Jesus era “branco” demais para que os negros africanos acreditassem em sua divindade, por isso foi preciso “buscar” um redentor negro para que os africanos se reconhecessem na própria divindade.

Xenófanes foi um filósofo da época clássica que dizia: “Se os bois, cavalos e leões tivessem mãos ou se pudessem pintar e realizar as obras que os homens fazem com as mãos, os cavalos pintariam imagens dos deuses semelhantes aos cavalos e os bois semelhantes aos bois, e plasmariam os corpos dos deuses semelhantes ao aspecto que cada um deles tem”, assim como os etíopes, que são negros e têm o nariz achatado, ou os trácios que têm olhos azuis e cabelos ruivos, representam seus deuses com tais características. 

Pois bem, Xenófanes proferiu tudo isso para opor-se a visão antropomórfica que os gregos tinham das suas divindades, para ele; se houvesse um deus nem por figura nem por pensamento seria semelhante ao homem, em sua concepção deus seria o cosmos.

Deixamos Xenófanes um pouco de lado, para sublinhar que o cristianismo conseguiu se infiltrar em várias culturas, inclusive na cultura reggae, sendo reformulado é claro, mas sempre mantendo aquele ar sufocante da moral, nesse sentido o reggae não é diferente do cristianismo, mesmo não sendo aquele reggae propriamente rasta acaba levando certos valores cristãos do tipo: paz, amor, união, igualdade e humildade etc... Essas coisas que aprendi através da filosofia a suspeitar e olhar mais demoradamente e com um tremendo receio.

No meu caso o reggae foi importante durante uma parte significativa da minha vida, isso não posso negar, serviu-me como se fosse uma lente que me possibilitava interpretar o mundo de uma maneira diferente de como as outras pessoas o enxergavam, isso para mim era fascinante, outro olhar, outra perspectiva, tanto para a vida como para a música!

Porém, quando finalizei o curso de filosofia, percebi que o reggae já não era o suficiente para continuar explicando as velhas questões, se eu quisesse progredir, o pensamento teria que ir adiante, hoje discordo de alguns conceitos interiorizado pelo “estilo reggae”, alias, penso que discordar é uma prática saudável, as próprias pessoas que ouvem reggae sabe disto!

Hoje penso totalmente diferente do que pensava em outras épocas e tenho orgulho disto! A filosofia nos permite exatamente isto, ver diferentemente do que se vê e pensar diferentemente daquilo que se pensa ou do que se pensou; isto é indispensável para continuarmos a olhar o mundo e refletir!

Sou do tipo de gente que acredita que tudo o que você pensa tem haver com as coisas que acontece ou aconteceu com você, cá entre nós, faço a crítica porque já vivi o reggae, o conheço por experiência, sendo assim faço a crítica também por honestidade ao próprio reggae, por gostar do reggae em excesso.

Contudo, algumas pessoas podem estar se perguntando “qual o problema do reggae ter inserido em sua cultura um caráter cristão? Isso não seria positivo para o próprio reggae?”, atesto que essa pode ser o maior engodo que poderia ter acontecido ou nascido com o reggae, tanto faz; o fato é que introduziu em sua cultura uma moral niilista que nega a vida. Assim como o cristianismo, o reggae também é niilista em sua raiz, isto eu denuncio, porém, nada de novo temos aqui.

A maior parte das músicas reggae que ouço hoje em dia é um apelo moralista barato, no sentido de que existe um padrão de conduta que a existência deve se adequar se não é logo taxado de hipocrisia por alguma “alma santa”, Quá! 

Coisas como esta empobrece o próprio “estilo reggae”, que pode ser sim mais do que isto. Trocando em miúdos, continuamente as letras reggae vem apresentando um “lindo” esquema mental que escraviza a própria vida (moral), isto o cristianismo já faz há séculos, ou seja, se o cristianismo é o platonismo para o povo, o reggae é o cristianismo para os “descolados”.

Encontra-se ainda regueiros que são mais moralistas que os próprios cristãos, isso me pegou de surpresa algumas vezes, outros utilizam deste moralismo de boutique para proferir preconceitos que jamais poderia existir no meio reggae, que sempre lutou contra qualquer tipo de preconceito.


Enfim, gosto de reggae pra caralho todo mundo sabe, tenho vários amigos que frequentam e tocam em shows de reggae, mas isso não significa que eu não possa discordar de algumas coisas, escrevo este texto, pois acredito que ainda haverá alguém que insistirá em “retirar” do reggae todo esse aparato de pensamento obsoleto cristão (oposição entre bem e mal) ou desta mesmice que vem sendo cantada desde Bob Marley (Jah, liberdade, amor, humildade...). 

O reggae tem que lançar reflexões mais ousadas e, portanto, mais profundas, somente assim, este estilo que é relativamente novo, irá se expandir para além daquilo que está dado, e quebrar esses paradigmas que são perpetuados geração após geração, desde de bBob Marley, mas para isso, o reggae tem que romper com a sua origem, todavia me parece que os regueiros não gostam de rompimento, eles gostam de voltar às origens, a África os espera!

(Alex Domingos)



quinta-feira, 6 de março de 2014

Filosofia e incômodo







A filosofia incomoda, desde seu princípio na Grécia isso já acontecia, não é nenhuma novidade, creio que Sócrates foi o maior exemplo disto, já que ele foi acusado pelos atenienses de “impiedade” “foi acusado de não crer nos deuses da cidade e de corromper os jovens; mas, por trás de tais acusações, escondiam-se ressentimentos de todos os tipos e manobras políticas” (REALE, Giovanni, A história da Filosofia), Sócrates foi condenado a beber veneno, por conta disto.

Jamais ocorreria a condenação de Sócrates e sua morte, se ao filosofar, ele não incomodasse ninguém, historicamente hoje sabemos que ele através da filosofia, querendo ou não, Sócrates incomodava os gregos, tudo em plena praça pública, a famosa (Ágora), que a princípio se assemelha muito com a internet, hoje existem pessoas que consideram a internet como uma nova Ágora, ou seja, um espaço público de debates, porém as pessoas eram preparadas para poder ir para a Ágora debater, e não podiam dela participar quem não tivesse um mínimo de preparo, os próprios sofistas inimigos mortais de Sócrates, recebiam pagamentos para que preparassem as pessoas, e as tornassem mais eloquentes nos seus discursos.

Todavia, Sócrates jamais incomodava as pessoas somente por incomodar, está errado quem pensa que praticando um incomodo qualquer, esteja fazendo filosofia, a filosofia não é sair incomodando, a filosofia é um saber metódico e sistemático que pode incomodar.

Sócrates usava como método a dialética, que coincide com seu próprio dialogar, que possui dois momentos essências, a “refutação” e a “maiêutica”, ao fazê-lo Sócrates valia-se da máscara do “não-saber”, e da temida arma da “ironia”, cada um desses pontos deve ser adequadamente compreendido, porém utilizo deles para evidenciar que, Sócrates em seus diálogos com as pessoas, se colocava como alguém que nada sabia e queria somente aprender, porém logo após através da ironia refutava o saber do interlocutor, pronto, Sócrates o incomodava inevitavelmente, as pessoas não querem aprender e nem ter seus saberes refutados, repito, porque incomoda.

Isso é válido ainda nos dias de hoje, quando resolvemos filosofar e mostrar uma perspectiva diferente para as pessoas, muitas delas se zangam, ficam bravas, não sou um Sócrates ou Platão, mas tento filosofar, todavia, sei que ao passo que me pegar filosofando e através disso incomodar alguém, estarei feliz, pois fiz o papel de filósofo. 

Existem pessoas que se incomodam, mas tem a capacidade de aprender, ou seja, são inteligentes, outras se incomodam e se esperneiam porque não querem aprender, essas burras, ora, eu levo a sério a filosofia, não passei esse tempo todo estudando pra brincar de filósofo depois, pode até ser falta de polidez chamar uma pessoa de burra, porém nós filósofos não podemos colocar a polidez acima da filosofia.

Temos que aproveitar essa nova Ágora (internet), para promovermos diálogos e discussões que sejam relevantes, para que todos possam aprender juntos, os filósofos não sabem tudo, a diferença dele para algumas pessoas é que ele sabe disto, todos nós sabemos que contra a ignorância não se tem argumentos.

O próprio Sócrates dizia que filosofar não era para todos, era necessário estar grávido das ideias, pois, da mesma forma que uma mulher que está grávida no corpo tem necessidade de uma parteira para dar à luz, também a pessoa que tem a alma grávida de verdade tem necessidade de uma espécie de arte obstétrica espiritual, que ajude essa verdade a vir à luz, é essa exatamente a “maiêutica”.

Para incômodo das pessoas que não conseguem refletir, vou seguir o exemplo de Sócrates, enquanto eu viver irei filosofando pelos cantos.

(Alex Domingos)


REFERÊNCIAS

REALE, Giovanni, A história da Filosofia

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Agnosticismo e Ateísmo




Diferentemente do que se acredita, agnosticismo e ateísmo não são a mesma coisa, existe um abismo entre os dois. Quase sempre nas discussões ouvimos as pessoas apresentarem muitas opiniões formadas pelo senso comum, ideias rasas, comprovando que ainda existe muita confusão em torno destes dois termos, isso acaba gerando algumas especulações sem fundamento. 

Devido a isto, tentarei explica-los de uma forma simples e compreensível, o texto servirá como uma introdução, para despertar o interesse do leitor por obras que decorram mais amplamente sobre o tema proposto. O agnosticismo remete a uma questão de cunho epistemológico, ou seja, ocorre no campo do conhecimento, o ateísmo acontece no campo da crença, essa é a diferença básica que podemos destacar sobre esses dois aspectos, adiante explicaremos melhor essas afirmações.

Sabemos que agnosticismo provém do grego gnose (conhecimento) juntamente com o prefixo negativo “a”, ou seja, (não conhecimento). O agnóstico aponta para a impossibilidade da razão humana conhecer aquelas “realidades” que sejam metafísicas, entre elas a alma, imortalidade, liberdade e por conseguinte dEUS, pois não é possível verificar empiricamente essas “realidades” e obter um conhecimento seguro sobre elas, de tal maneira que não se pode levar dEUS para o laboratório e “colher” um conhecimento cientifico, para provar sua existência.

Kant alega no inicio da sua obra, “A critica da razão pura”, que todo conhecimento começa pela experiência, se o conhecimento deriva da experiência, como poderemos ter um conhecimento seguro destas realidades imateriais? Segundo sua analise, buscar por questões metafisicas faz parte da natureza do homem, porém essas “realidades” só podem ser pensadas, mas nunca conhecidas por meio de nossa razão.

O agnóstico não nega a possibilidade da existência de deus, simplesmente alega que se existe um dEUS, o homem não poderá conhecê-lo através da razão, se deus existe ele é incognoscível e por isso não vê motivos para acreditar nas premissas à cerca de deus, ou, pode apesar disso, acreditar em algum dEUS por motivos de fé, o que o tornaria fideísta. Ultimamente assisti a um vídeo no youtube de um rapaz chamado (PIRULA) descrevendo o agnosticismo de uma maneira aparentemente correta, mas que no fundo não tem sentido algum. No vídeo ele radicaliza suas posições, impondo o agnosticismo às demais pessoas.

Afirma ele que, se uma determinada pessoa, não sabe se deus existe, ela automaticamente passa a ser agnóstica por causa da etimologia (não-conhecimento), isso é um absurdo sem tamanho, tendo em vista que o agnóstico não tem obrigação nenhuma em saber e provar a a existência de uma entidade metafísica, uma vez que ele afirma a NÃO possibilidade de um saber ou de um conhecimento sobre a existência de deus. 

O agnóstico ao ser interrogado se sabe ou não se deus existe, diria: “Se existe deus ou deuses jamais poderemos saber, ou conhecer”, é ingênuo da parte do autor do vídeo, perguntar para alguém que não vê possibilidade de um conhecimento metafísico, se essa pessoa sabe da existência dessas entidades metafísicas, forjando ainda uma resposta, é como se eu perguntasse os números da mega sena, para uma pessoa que afirma que não é capaz de conhecer os números da mega sena antes do sorteio, como eu falei sem sentido algum.

Algumas pessoas chegam ao extremo de argumentar da seguinte forma: “se as pessoas não podem conhecer deus através da razão, logo todas elas são agnósticas, pois não tem o conhecimento sobre a metafisica”, esse argumento também não procede, comete o mesmo erro do rapaz do vídeo, ser agnóstico é afirmar e ter consciência que não podemos conhecer objetos metafísicos através da razão. “O agnosticismo é claramente uma atitude hermenêutica reativa dentro de um ambiente filosófico que tematizou o conhecimento metafísico”. (ROSA, José, Em torno do Agnosticismo, pg-04, 1995). O agnóstico é uma posição de indiferença.

Se não fosse assim, da mesma forma com que se afirma esta sentença, outra pessoa poderia afirmar que: “Podemos sim ter um conhecimento racional de deus”, logo inverteria a sentença, “Se as pessoas podem conhecer deus através da razão como eu, então todas elas são teístas”, que seria outro absurdo, aliás, como todas essas generalizações.

O agnosticismo se tornou uma típica modinha nas rodas de conversas nos dias de hoje, para alguns basta tomar duas cervejas e ler a etimologia da palavra “agnóstico” para revelar sua mais “nova forma intelectual de pensar”, isso se torna um problema, pois será essa a mesma pessoa que irá levar a diante muitos preconceitos gerados por falta de leituras mais aprofundadas sobre o assunto.

O grande erro do agnosticismo é constatar a impossibilidade de conhecimentos metafísicos, se utilizando da própria metafísica para legitimar sua impossibilidade, quem leu Kant sabe do que estou falando, o próprio Hegel descobriu isto após ler a critica da razão pura, sentiu ele um odor metafísico vindo de lá. Hegel teria dito para Kant.... ”Kant isto ai que está fazendo na crítica da razão pura ainda é metafísica”, o agnosticismo é contraditório em sua base, se contentem com isso agnósticos de plantão.

O ateísmo como também o agnosticismo é somente uma classificação, acerca do posicionamento ou estado intelectual do individuo em relação à ideia de deus, logo, o ateísmo não possui natureza análoga às religiões teístas, não adianta espernear. Etimologicamente, a palavra ateu é formada pelo prefixo “a” que denota ausência e pelo radical grego théos, que significa deus, ou seja, a palavra ateu pode significar ausência de deus ou ausência de teísmo.

 “É importante salientar que, comumente, a maioria dos ateus, quando se refere à sua posição, diz apenas que não acredita em deus/deuses. Isso não está incorreto, mas na verdade, com isso quer dizer que não acredita na existência de deus/deuses. Afirmar apenas “não acredito em deus”, pode dar margem à interpretação errônea de que a pessoa em questão acredita em sua existência, mas é contra deus, contra seus mandamentos, ou então que não lhe da crédito, que o difama, fato este que, não raro, dá origem a vários preconceitos em relação à posição ateísta” (CACIAN, André, Os fundamentos do Ateísmo, pg.01).

Até aqui parece ser simples as questões sobre o ateísmo, até creio que seja, porém as pessoas gostam de criar um punhado de definições, muitas delas sem necessidade nenhuma, entre elas estão: ateísmo-positivo, ateísmo-negativo, agnóstico-ateísta, neo-ateísta, ateísmo-implícito, ateísmo-explícito, até mesmo ateísta-forte e ateísta-fraco e por ai vai.

A cada dia se cria uma nova definição para tentar explicar esse fenômeno chamado ateísmo, não vamos tentar defina-las desse modo, pois, penso que não adianta ficar criando demasiadas modalidades de ateus para tentar explicar tudo, mas que, acabam não explicando nada, isso somente deixa as pessoas ainda mais confusas à cerca do assunto. No meu modo de ver, a definição de ateu pode ser mais pragmática, já que na maior parte das vezes encontramos somente dois tipos de ateus: os ingênuos e os inteligentes.

Os ateus ingênuos são aqueles seres que afirmam categoricamente a NÃO existência de deus, que aparece na frase (deus não existe), estes ateus para mim, não são diferentes daqueles religiosos que acreditam em deus, eles também são tão dogmáticos quanto, pois, da mesma forma com que o religioso não consegue provar a existência de deus, este ateu, também não conseguirá provar a sua inexistência, eles enchem a boca para negar a existência de deus e dizer que deus não existe, pensando que isto os tornam mais “inteligentes”, não se diferenciando muito daqueles que creem na existência deus, estes ateus geralmente são fervorosos e pregam como os religiosos.

O ateu inteligente jamais afirmaria que deus não existe, ele simplesmente não aceita as preposições teístas como verdadeiras, para ele deus trata-se apenas de uma hipótese metafísica sem comprovações, ele contesta as afirmações teístas que tentam explicar a realidade, o ateu inteligente não é dogmático e não se fixa na inexistência de deus, nesse caso o ateísmo é somente uma ausência de crença nesse tipo de entidade sobrenatural, ele escuta as premissas teístas, avalia e não vê motivos para acreditar nelas.

A inteligência não permite o ateu de negar categoricamente a existência de deus, assim ele não tem obrigação nenhuma de provar sua inexistência, “na realidade, o dever de provar a veracidade recai sobre os ombros daqueles que afirmam algo, se um individuo diz “deus existe”, fica sobre ele a responsabilidade de provar a veracidade de sua preposição, ou seja, provar a existência de deus. Se falhar em prová-la, então não teremos motivos para aceitá-la e, assim, a descrença torna-se plenamente justificada”. (CACIAN, André, Os fundamentos do Ateísmo, pg.07). Como diria Raul Seixas: Já passei por todas as religiões filosofias, políticas e lutas. Aos onze anos de idade eu já desconfiava da verdade absoluta. 

(Alex Domingos)


Referências

CACIAN, André, Os fundamentos do Ateísmo.
ROSA, José, Em torno do Agnosticismo, 1995.
KANT, A crítica da razão pura, 1987.

Vídeo do Pirula

                                           http://www.youtube.com/watch?v=LVkklTe77Ww