terça-feira, 24 de julho de 2018

O riso de Nietzsche








Moro na minha própria casa,
nunca imitei ninguém,
E rio-me de todos os mestres
que nunca riram de si.
(Inscrição por cima da minha porta)
(Nietzsche, A gaia ciência, p,09)


O ser humano é provavelmente o único animal na face da terra que ri. Só por essa questão o riso já daria um belo tratado filosófico. Não foi à toa que muitos filósofos investigaram o riso com seriedade. Neste sentido, podemos encontrar uma teoria do riso na filosofia de Hobbes, Kant, Schopenhauer e Nietzsche. Em Nietzsche por exemplo, não encontramos uma obra inteira dedicada ao riso, mas durante as suas investigações o riso aparece e ganha espaço as vezes teorizado, as vezes de modo irônico nas suas sentenças.

O filósofo deixa claro a importância que o riso tem para a filosofia: “Eu chegaria mesmo a fazer uma hierarquia dos filósofos conforme a qualidade do se seu riso – colocando no topo aqueles capazes de uma risada de ouro” (Nietzsche, Além do bem e mal). Mas, qual é o filósofo que possui a risada de ouro? O sorriso de ouro é próprio daqueles que estende o riso de si para o mundo e é capaz não só de rir das pequenas coisas, mas também da fatalidade do cosmos. Isso é próprio de quem tem o sorriso brilhante, afirmar o cosmos em sua integralidade, rindo até mesmo do aspecto trágico da vida, amando (amor fati) a vida em seus aspectos “positivos” e “negativos”. Filósofos como Platão percebiam o riso como algo prejudicial para a pólis. 
 
Ao contrário, Nietzsche tece nas entrelinhas do riso a sua cosmologia. Desta forma, abre-se caminho para uma ética ancorada não na racionalidade, nem na religião, e sim no cosmos: - Temos assim uma ética cosmológica. Hegel acredita que o cosmos é ordenado pela racionalidade, “O real é racional e o racional é real”, neste sentido, as coisas caminham para um progresso contínuo e a ética está baseada unicamente na razão.

Para Schopenhauer o cosmos não é ordenado, e sim desordenado, isso quer dizer que não existe uma razão que organiza o universo, mas uma vontade cega e caótica que desorganiza o mundo, por isso a fama de pessimista de Schopenhauer, já que se o mundo não é governado pela razão e sim por uma vontade cega, significa que em algum momento as coisas irão dar errado. Nietzsche concorda em partes com Schopenhauer, para ele o cosmos é governado pela vontade cega e caótica, mas não qualquer tipo de vontade, a Vontade de Potência.

Nietzsche em sua obra Assim falava Zaratustra discorre sobre a vontade de potência por meio de imagens, como sendo uma vontade cosmológica que faz com que qualquer ser vivo passe a desejar cada vez mais o aumento da sua potência de agir, o pensador fala de forças e não de indivíduos. O filósofo lança a sua teoria da vontade de potência através da boca de Zaratustra que é aquele que consegue levar o riso ao seu mais alto grau de esplendor, nas suas palavras: “Fui eu próprio que canonizei o meu riso”. Ora, o riso é algo a ser canonizado, tamanha a sua importância, agora, não mais para a filosofia, e sim, para a vida. Lembrando que Cioran já dizia que para se ter um lugar honrado na filosofia era preciso ser comediante. O filósofo alemão não tinha dúvidas quanto a isso: "Sou um aprendiz do filósofo Dionísio e preferiria antes ser um sátiro do que um santo".  Porém,  o riso também possui o seu aspecto trágico: “Não é com ira que se mata, mas com riso”.

O riso em Nietzsche sempre me chamou a atenção por ser o pano de fundo onde o filósofo produz as suas imagens. Seu conteúdo é tão rico que jamais caberia num só texto, deixo aqui somente uma parcela do riso de Nietzsche. Termino com as palavras de Zaratustra: “Aquele que galga as mais altas montanhas ri de todas as tragédias lúdicas e de todas as tragédias sérias”.


(Alex Domingos)