segunda-feira, 9 de abril de 2018

Por que ainda não pensamos?










“O mais grave é que nós ainda não pensamos: ainda não, apesar da situação do mundo continuamente da mais o que pensar”. (HEIDEGGER, 2005, p.126).


O mundo está continuamente nos dando o que pensar, isto é evidente, mas será que de fato pensamos? Ou só reproduzimos de forma binária certas informações que achamos legaizinhas? Por que pensamos aquilo que pensamos? Afinal de contas o que é pensar? Esta pergunta nos dá esperanças de que no decorrer do texto saibamos exatamente o que é esta atividade que, segundo Aristóteles, nos diferencia das outras espécies de animais. Não o farei. Ao invés disto, problematizarei determinadas questões e algumas formas de pensar e não-pensar para que assim, possamos nos situar dentro do espaço da dúvida, onde se dá o pensamento, de modo que o pensar tenha a chance de mostrar-se por si mesmo.

Não tenho dúvidas de que vivemos numa época de imbecilização e não numa época de reflexão, isso Heidegger já nos alertava em 1969 num de seus livros, cujo o título é: O que significa pensar? Neste livro, Heidegger lança a sua radical sentença: “ainda não pensamos”, visto que, pensar é algo diferente daquilo que “pensamos” fazer. Por hora, abandonarei a questão sobre o que é o pensar, para investigar de que forma estamos “pensando que pensamos”, sobretudo, os problemas que são colocados no nosso cotidiano.  Assim, ao invés de tentar responder o que é pensar, darei início a problemática refletindo sobre o que não é pensar. Aviso que tenho leves suspeitas para acreditar que cada vez mais a imbecilização das pessoas faz com que haja uma certa desautorização do pensamento crítico-filosófico. Não é raro fazerem algum tipo de chacota com quem insiste em sair da superficialidade. Nietzsche já havia previsto: “teremos contra nós os imbecis e a aparência”.

A reflexão que é feita pela maioria das pessoas hoje no Brasil é algo impulsionado pelo ódio e não pela racionalidade, isto é evidente. É isso que no final das contas gera a tão falada “polarização do pensamento”. Esse terreno político-brasileiro impulsionado pelo ódio ajuda a disseminar ainda mais o preconceito e a burrice que é alimentada por chavões do senso comum. Nesse cenário de polarização acredito que é preciso se posicionar, todavia, se posicionar somente para se posicionar é algo cafona. É preciso pensar com cautela antes de compartilhar aquela posição marota, e guardá-las de vez em quando se torna até um ato de nobreza. Temos que “ruminar” nossa opinião, coloca-la no gelo, pois, não basta reproduzir certas informações por simples necessidade de reprodução de conteúdo, pois desta forma, ainda estaremos no campo do não-pensamento e não reflexão, neste sentido, não exercitamos o pensamento, mas sim, a proliferação de informações carimbadas pelo nosso crivo como verdadeiras e necessárias.

Agimos de forma binária quando compartilhamos certos conteúdos que achamos “inteligentinhos” e “descontruidões”. O cérebro recebe o estimulo e a única forma de raciocínio é GOSTEI ou NÃO GOSTEI, APLAUDO ou NÃO APLAUDO, BOM ou RUIM, se gosto compartilho, se não, deixo passar. Em outros casos destilamos nosso ódio nos comentários, poucas vezes dialogamos com o que foi lido e contestamos alguns pontos, em outras palavras: abraçamos tudo ou recusamos tudo. Queremos concordar na integralidade, pois, discordar dá trabalho e muitas amizades são desfeitas por isso. 

Compartilhamos por que temos convicção de que aparentemente o conteúdo visualizado está correto, mas, nem sempre este conteúdo foi devidamente pensado, refletido. Isto ainda não é pensar, isto é reproduzir binariamente um conteúdo que foi idealizado por outra pessoa e que você considera correto, ele não passou pelo filtro do pensamento, mas pelo filtro do bom ou ruim, compreendem? Não pensamos de fato aquilo que foi lido, fazemos outra coisa. Às vezes nem buscamos investigar se a fonte é realmente confiável. Heidegger diria: “Ainda não pensamos”.

As coisas andam tão esquisitas que se você defender o artigo 3º da constituição brasileira que prega a construção de uma sociedade “livre e justa que garanta o desenvolvimento nacional e que possibilite a erradicação da pobreza e a marginalização, para reduzir as desigualdades sociais e regionais, ou se promovemos o bem-estar de todos sem preconceitos de origem, raça, cor, sexo ou qualquer tipo de discriminação”, logo somos acusados de esquerdopata ou rotulado de comunista por algum jovem afoito e abjeto. O mesmo acontece quando se critica algum posicionamento da esquerda brasileira, automaticamente os militantes te taxam de coxinha, pmdebista, conservador e coisas do tipo, ou seja, ou você aceita toda a cartilha daquele grupo do qual se identifica ou é rechaçado pelos seus próprios participantes, não com argumentos, mas, com ódio.

Discordar se tornou algo inaceitável na contemporaneidade. Pensar passou a ser tóxico. Experimente fazer uma crítica a uma determinada posição do feminismo, que na mesma hora aparece uma avalanche de mulheres que sequer leram Simone de Beauvoir para automaticamente te classificar como antifeminista, machista, te excluir da rede social ou você é visto até mesmo como alguém que reproduz ódio as mulheres, tudo isso por uma simples crítica a uma única posição do feminismo, por mais que saibamos o devido “lugar de fala”, parece que devemos a partir disto apoiar todas as atitudes do feminismo, da direita ou esquerda, não se pode divergir de nenhuma. O que me parece é que não podemos mais pensar a respeito das questões relacionadas aos movimentos ideológicos no Brasil, ou se aceita tudo desse ou daquele grupo, ou é colocado como inimigo Master do movimento. Claro que há exceções em todos os níveis, mas em grande parte das redes sociais é isso que se mostra nos últimos tempos.

É evidente que eu não estou exigindo que as pessoas passem a fazer reflexões monumentais a cada postagem nas redes sociais, ou na vida, não é isso que proponho, eu só estou tentando entender o modo como estamos fazendo o exercício da “reflexão e do pensamento” nos dias de hoje. Pensamos por meio de memes e emotions. A internet continua sendo esse grande espaço onde todos são especialistas em tudo. 

Acredito que a reflexão crítico-filosófica deve transcender qualquer tipo de ideologia no ato de pensar. A criatividade, a reflexão, a análise, não podem ser deixadas de lado quando falamos em pensamento.

Creio que para fazermos uma análise séria da situação política brasileira se faz necessário despregarmos os olhos de si mesmo para enxergarmos além. Mas, continuamos olhando para o hoje, falseando o passado e olhando para o passado, falseando o hoje. 

Sei que no meio desse turbilhão sempre encontraremos pessoas dispostas a refletir com cuidado essa obscura época que se instalou no Brasil, cujo o assunto do momento é a prisão do ex-presidente Lula, nessa altura do campeonato precisamos parar tudo e explicar o óbvio para as pessoas. Ir contra a prisão do ex-presidente não é ser petista ou socialista ou comunista. Ser contra a prisão do Lula é entender que esse processo desde o seu início foi um desfile de arbitrariedades. Quando se fala de Lula, PT ou Dilma a racionalidade de algumas pessoas logo se transforma em ódio e isso impede elas de pensarem melhor a realidade do Brasil.

O livro: Que significa pensar? Pode ser considerado uma introdução à filosofia de Heidegger por trazer algumas das principais características de seu pensamento. Porém, quando Heidegger fala em aprender a pensar ou “ainda não pensamos”, estas afirmações podem estar de acordo com o que o filósofo chamou de “fim da filosofia e o começo do pensar”. (STEIN, 2002, p.29). No Livro, Heidegger passeia em algumas formas de pensar para avaliar qual seria a mais “digna”. Para o filósofo o pensar surge como um verbo substantivo sugerindo atividade, exercício.

A filosofia é responsável pelo exercício do sentido. Sentido que tem a condição de possibilidade, ou seja, uma abertura para o real, desta forma, a filosofia se situa num espaço diferente do cálculo, por exemplo. Ela atua onde o cálculo não atinge. Se considerarmos que o pensamento é somente aquele capaz de dar sentido e que, de certa forma se opõe ao cálculo, então a ciência, sobretudo, aquela positivista da época de Heidegger, também não pensa, pois se reduzia a calcular, recolher dados e organizá-los. Para Heidegger o pensar seria também algo diferente disto.

A religião também não pensa, ao passo que necessita se fixar em muitos dogmas que dificultam a ação do pensamento. A maior parte das religiões são amparadas por um texto compreendido como sendo uma revelação divina, ou seja, seus adeptos precisam seguir certas normas morais e dogmas estabelecidos neste livro, o pensamento morre aí. Atualmente o Papa-pop faz malabarismos de marketing para angariar fiéis um tanto quanto impressionáveis.

O que eu posso dizer é que o pensar é algo raro nos dias de hoje. O pensar necessita brotar como algo inevitável, como facticidade, como uma urgência. Não pode ser mera repetição de fórmulas prontas. Pensar é correr riscos, é como dar um salto para o desconhecido. O pensar autêntico surge quando abandonamos fórmulas e até mesmo conteúdos teóricos, visto que, o fato de estarmos comprometidos com os resultados teóricos e com o pensamento de outros faz com que pouco a pouco abandonemos os nossos próprios pensamentos. De que adianta fazermos uma pesquisa que de antemão já sabemos o resultado?

As teorias se mostram indispensáveis e nos ajudam no ato de pensar, porém, para que possamos trilhar um caminho autêntico no campo da reflexão, precisamos sim, caminhar de encontro ao desconhecido, e para isso é necessário coragem. Pessoas que se limitam a repetir fórmulas e pensamentos prontos tem bastante por aí. 

Sigo nesta tentativa de fazer experimentos com o pensamento, sem medo de errar, pois, o salto para o pensar exige necessariamente quebras de paradigmas, rupturas, reconsideração de certezas e rompimento com pressupostos e epistemologias que estão cristalizadas. No meu entendimento o pensar caminha por essa via, a via do desconhecido. No final das contas, temos que insistir e persistir na pergunta que interroga pelo significado da palavra pensar.

 (Alex Domingos)