segunda-feira, 25 de maio de 2020

O fim do Brasil?






“O passado é lição para se meditar e não para se reproduzir”. (Mário de Andrade, prefácio Interessantíssimo)

“Sempre enfezei ser eu mesmo. Mau mas eu”. (Oswald de Andrade, Ponta de Lança)



Gostaria que fosse só mais um texto meu falando sobre algum conceito inquietante da filosofia. Talvez teria falado algo sobre o pensamento Descolonial de Mignolo, ou sobre a questão do “Entre Lugar” discutida por Silviano Santiago, porém, no Brasil de hoje é impossível não falar do cenário político em que (sobre)vivemos.

Adoraria que o Filósofo Voltaire fosse brasileiro e presenciasse o que estamos vivendo hoje na política brasileira. No meio de suas ironias gênias, certamente exclamaria: “Écrasez I´Infâme”, ou seja, (esmagai o infame*). No caso, o (des)governo brasileiro. Sem dúvidas o Brasil se encontra hoje em seu ponto mais baixo. Neste ano, chegamos ao fundo do poço umas trezentas vezes, pois lidamos com duas pandemias: o covid-19 e a burrice.

Os intelectuais mostram, nós mostramos, o mundo mostra milhões de vezes o quanto quem votou no Bolsonaro cometeu um erro, mas essas pessoas a que chamamos hoje gentilmente de “gado”, ainda defendem esse homem asqueroso. É impressionante o nível de burrice dessa gente verdinha e amarela. Esse (des)governo é um insulto a nossa inteligência, digo mais, se o cérebro do presidente fosse uma dinamite, ele sequer explodiria o seu chapéu.

Talvez estejamos pagando o preço por escamotearmos o nosso passado autoritário, já que fomos o único país da América Latina incapaz de lidar com o seu passado obscuro. Safatle nos lembra que o Brasil é um país onde nenhum torturador foi parar na cadeia, e que pelo contrário, nesse exato momento, na Argentina, mil torturadores estão presos.

Para Safatle, isto é o resultado da necro-política brasileira, que desde a ditadura reforça os mecanismos de extermínios. Neste raciocínio, não houve o desmonte, nem a desarticulação destes aparatos, nos tornando também o único país da América Latina onde se tortura mais do que se fazia durante a ditadura militar, existem estudos sérios sobre isso.

Por isso, é urgente que o povo brasileiro aprenda com a sua história, é necessário mexer nas feridas e meditarmos a história do nosso país para que ela não seja mais reproduzida, porque sim, ela está se repetindo constantemente ou como tragédia ou como farsa, e assim, vamos presenciando este espetáculo farsesco onde o presidente que não tem formação nenhuma em medicina, impõe que seus ministros da saúde receitem cloroquina aos portadores do covid-19. Pasmem vocês, isto já aconteceu antes na história deste país.

   Quando a gripe espanhola chegou ao Brasil e se espalhou pelos cortiços do Rio de Janeiro, no dia sete de Setembro de 1918, já eram mais de 50 contaminados, no dia 8 de outubro de 1918 já haviam 88 soldados contaminados na via militar. Olhem que coisa, no dia 10 de Outubro já havia no hospital militar 400 pessoas infectadas.

O trágico deste episódio farsesco é que no dia 10 de Outubro o diretor geral de saúde, Carlos Seidl reuniu outros cientistas, com a presença da imprensa, e pasmem vocês, para defender a “benignidade da gripe”.  

Nas suas palavras: “não é a influenza espanhola é uma gripezinha comum”. E em seguida falou que “era sensacionalismo histérico da imprensa”, aqui qualquer semelhança é mera coincidência? No Brasil parece que essa gripe matou entre 35 a 40 mil pessoas. As semelhanças não param por aí, foi aqui também que surgiu o charlatanismo.

Como não havia órgãos de controle como a Anvisa hoje em dia, as pessoas começaram a criar remédios miraculosos para a gripe que se alastrava. Um deles foi a “Grippina”, que é muito semelhante com a cloroquina de hoje, não tinha nenhuma comprovação científica que garantisse a sua eficácia, mesmo assim começaram a vender esses pseudo-remédios para conter a gripe, entre eles até cachaça com limão, canja de galinha, entre outros.

E os paralelos continuam. Chegaram a dizer nos EUA que o quinino, medicamento recomendado para a malária seria eficaz contra o vírus. Por isso, que durante a guerra foi criado um drink que é conhecido até hoje: a Gintônica, cujo ingredientes são basicamente o gin, e a água tônica que contém quinino, nem precisa dizer que no Brasil o preço do quinino disparou.

O auge da epidemia no Brasil foi de Setembro de 1918 à Janeiro de 1919, matando mais ou menos 40 mil pessoas. Então aquele dito que: a história se repete como tragédia ou como farsa mais uma vez se mostra verdadeira.

O que preocupa é que além de enfrentarmos uma pandemia, enfrentamos também um presidente lunático e paranóico, que precisa ser extirpado do poder e preso, caso isso não aconteça, talvez estejamos assistindo o fim do Brasil, ou quem sabe o fim da picada. 


(Alex Domingos)   


domingo, 17 de maio de 2020

O “Zaratrusta” dos Leões: Nietzsche virou profeta?







Hoje nação luta contra nação,
Estamos no tudo é permitido
Não se esqueçam de Zaratustra,
Será que Nietzsche virou profeta? Virou!


Música Filhos Rebeldes - Banda Leões de Israel



Poucos sabem disto, mas a minha curiosidade em ler o filósofo alemão Friedrich Nietzsche se originou antes mesmo de eu ingressar na faculdade de Filosofia. A primeira vez que ouvi falar desse autor, foi através da música Filhos Rebeldes da banda de reggae: leões de Israel. Há pouco tempo lembrei-me deste episódio e resolvi contar para vocês.

Eu não fiz a faculdade de filosofia especificamente por causa desta música, mas foi ela que me apresentou a este autor. E ao escutá-la pela primeira vez, fiz o que poucos regueiros e regueiras fizeram até hoje, fui pesquisar quem era o tal do Zaratustra, e quem era aquele camarada que se chamava Nietzsche, pois ao meu ver eles seriam as peças chaves para o entendimento correto da música.  Por isso afirmo, não basta ouvir reggae, é preciso entender aquilo que está sendo cantando, é preciso ler as obras clássicas que estão fora desse segmento e deste estilo.

A curiosidade não parou na rápida pesquisa que fiz do filósofo, ela me acompanhou. Resolvi ir à biblioteca e tomar emprestado o livro intitulado “Assim falava Zaratustra”. Eu não aconselho ninguém a começar por este, mas esse foi o primeiro livro do Nietzsche que li. 

Apesar de não ter entendido muita coisa na primeira leitura, recordo-me que este livro me marcou profundamente, visto que ele questionava muito do que eu acreditava até então. Neste livro, o autor além de sintetizar toda a sua teoria cosmológica e filosófica, evidencia a decadência do cristianismo e a sua “metafísica para verdugos”. Achei fantástico a maneira como Nietzsche pintava as suas obscuras imagens filosófico-poéticas e como ele conseguia vasculhar os escombros da filosofia em busca do além-do-homem. 

Comecei a entendê-lo melhor, depois da terceira leitura, somando com os estudos sistemáticos do livro além de obras complementares, mesmo assim, a cada releitura deste clássico sempre me deparo com algo novo, que ainda acrescenta muito em minha vida, o livro é um clássico. Mesmo assim sempre aparecem aquelas pessoas que nunca leram um livro de filosofia tentando me ensinar aquilo que elas não sabem, para estas eu sempre deixei o meu riso.

Costumo frisar que se a filosofia ou qualquer outro tipo de conhecimento não contribui para a vida, se torna algo banal. Neste sentido, Nietzsche pode ser considerado o filósofo da vida. Os cristãos e os regueiros precisam ler mais esse pensador.

Como eu não gosto de ler somente aquilo que concordo, eu tenho a terrível mania de ler também aqueles livros “malditos” que me lançam no abismo e me arrancam da zona de conforto, não parei mais de ler este autor, cada livro uma sensação diferente e contraditória se manifestava, sensações que somente os leitores “desarmados” de suas convicções podem vivenciar. Nietzsche nos lembra que as pessoas de convicções são perigosas.

Após todo esse tempo estudando filosofia e pesquisando principalmente os escritos de Nietzsche, (não mais por causa da música e sim pela indentificação que tive com a sua obra), assim lembrei-me da música do Leões e resolvi escrever este texto, já que o reggae e as obras filosóficas estão inteiramente presentes no meu cotidiano.

Além dos mais eu procuro escrever somente aquilo que eu poderia escrever, levando em conta minhas vivências, sensações, pulsões etc... Afinal de contas são elas que avaliam o mundo a minha volta, em outras palavras aquilo que temos de vida dentro de nós é o que em última instância avalia o nosso “em torno” e avalia o nosso mundo.   

Quando ouvi a música pela primeira vez me deixei levar pela melodia e pelo aparente, digo, aparente senso crítico do compositor, que parecia querer contar algo misterioso e oculto em sua letra, e o Zaratustra e o Nietzsche eram peças fundamentais para a compreensão da música, como dito antes. 

Hoje quando escuto percebo que sim, a música tem um swing legal, começa com uma virada soluçante de bateria e segue com uma linha marcante de contra baixo que percorrerá a música toda, mas isso em si não mascara que a letra é profundamente vaga, ambígua e equivocada. Sem contar o erro juvenil do vocalista ao cantar “Zaratrusta” ao invés de “Zaratustra” que de fato é o personagem literário de Nietzsche.  

Antes de entrar de fato na letra da música, é bom lembrar que a filosofia de Nietzsche não é algo a ser seguida, o pensador não anuncia “verdades imutáveis” como pretende a bíblia e os cânones morais.  O filósofo é extremamente crítico das filosofias que pretendem fornecer a verdade para o mundo, por isto, foi um dos primeiros pensadores a formular pergunta que interroga: “para quê a verdade?” ou “quem nos obriga a procurar a verdade?” Pronto, bastou isso para bagunçar todo o tabuleiro de toda filosofia. 

Você caro leitor não é obrigado a ler Nietzsche (deveria?), porém quando constroem uma música com erros bobos e inversão de conceitos, e mais que isso, quando alguns regueiros tentam te ensinar algo que sequer leram, eu preciso intervir e mostrar que existe um equívoco quanto a isso.

Objetivo deste texto é mostrar a errônea inserção de Nietzsche e Zaratustra nesta letra de reggae, erro que eu só percebi muitos anos depois de ter ouvido a letra pela primeira vez e cuja a única virtude é nos apresentar um grande pensador para os ouvintes amantes de reggae que não conheciam ou não conhecem esse filósofo. 

A música começa afirmando que “alguns pensam que a vida é um rio/que encontrará seu caminho/outros acham que é um sonho e caem na iniquidade/se esquecem de que é uma benção de capacidades infinitas”. Esta eu considero a parte “menos pior” da letra, que até então não diz muita coisa, pois é profundamente rasa e vaga, além de ser carregada de moralismo barato, e até aqui não acrescenta nada de concreto na vida do ouvinte. 

Dizer que as pessoas caem na iniquidade e que se esquecem que a vida é uma benção de capacidades infinitas, é dizer, à grosso modo, que temos que seguir os códigos morais de uma determinada religião, (seja ela qual for), e que é preciso que as pessoas sintam-se culpadas por suas condutas “más”, já que, cair na iniquidade pressupõe que não estão de acordo com as normas estabelecidas por essa religião ou até mesmo a sociedade, algo totalmente contrário ao que o Nietzsche defendia, calma já explico! As vezes me recordo de algumas coisas e fico pensando e até hoje não consigo entender como pude gostar de bandas como Tribo de Jah, Mato Seco e Ponto de Equilíbrio. Não consigo entender. 

A questão é: quem criou os valores? Quem foi o primeiro na história da humanidade a dizer que tal ação é boa e determinada ação é ruim ou má? É preciso entender que os valores são construções humanas, demasiado humanas e possuem uma história e que os códigos morais, não vieram diretamente do céu trazidos por Deus ou um anjo. Por favor leiam Genealogia da moral de Nietzsche que vocês irão entender. Até aqui tudo bem. Vamos a segunda parte da letra.

A pergunta que me fiz durante algum tempo é: porquê mencionar o filósofo nesta letra sem pé nem cabeça? Hoje percebo que as frases desta música vão totalmente contra aquilo que Nietzsche defendia. Mais adiante lançarei a minha hipótese, prometo não demorar muito, caro(a) leitor(a), antes vamos para a segunda parte da letra que piora um pouquinho: “a verdade cobre a terra/ assim como a água cobre o mar. Não fuja da suprema ordem/ nada disso vai adiantar.”


Primeiro que a verdade para o Nietzsche se trata de um preconceito moralista inventado para legitimar a superioridade de determinados valores metafísicos que de fato são muito cafonas e negam a vida. Ao meu ver os regueiros ainda são muito moralistas e ingênuos. Talvez Solano tenha escrito essa letra sabendo que poucos regueiros iriam ter senso crítico para poder questioná-la, talvez.

Resumindo: a verdade é joguinho de poder, Foucault também havia constatado isso. Nós, os bons, encontramos a verdade e quem não a segue é mal. Porém, é preciso enxergar que existem pensamentos tão elevados que nem precisam ser verdadeiros, visto que elevam o ser humano, elevam a vida, em certo ponto essa música nega a vida e exalta valores morais metafísicas supra-sensíveis que nem são tão bem definidos assim na música.  

O que seria suprema ordem? Somente essa frase daria alergia em Nietzsche, pois para ele a única coisa de superior é a vida, neste raciocínio não existem valores que transcendam a vida, pois é ela que em última instância avalia e cria os valores (ao menos deveria), ou seja, não existe suprema ordem, ou valores que sejam superiores a vida, “o cristianismo é o platonismo para o povo”. Estamos parados ainda no platonismo ingênuo, e o reggae tem sim um pezinho no cristianismo.


É bom lembrar que Solano Jacob é o autor da música e na versão de estúdio ele pergunta e responde logo depois: “será que Nietzsche virou profeta? Virou!”. Deste modo, segundo o compositor, Nietzsche havia se tornado um profeta, até certo ponto concordo que sim, mas não pelos motivos mencionados na letra.

Nietzsche em larga escala é uma espécie de anti-profeta e penso que o Solano Jacob foi no mínimo equivocado ao citar o pensador nessa música, confesso até que tenho dúvidas de que ele tenha realmente lido o “Zaratustra” inteiro. Acho que com o tempo ele deve ter percebido o erro que cometeu, tanto é que na versão ao vivo ao invés de falar “virou!”, ele sabiamente troca e canta “uou uou”. Será que se arrependeu? 

Mas aqui eu lanço a minha hipótese: Solano Jacob não estaria usando de uma ironia ao se referir a Zaratustra e a Nietzsche, como aqueles que atestaram a “morte de deus?”, ou o fim da metafísica? Consequentemente borrando os princípios caducos de bem e de mal e alertando para o perigo de uma sociedade em que os valores perderam o sentido? O niilismo não seria um hóspede sinistro a se combater? Eu quero muito acreditar que Solano Jacob pensou nesta possibilidade, pois seria bem mais coerente tanto com o reggae como com a filosofia nietzschiana.   


Para finalizar, acredito que o reggae deve abandonar a velha agenda e começar a construir um novo caminho. Existe um leque gigante de possibilidades para ser trabalhado e construído. É um desperdício insistir em velhas pautas. Vivemos em novos tempos, onde a internet e a virtualidade, a sexualidade estão presente em nosso dia a dia.

O reggae precisa acertar a mão sobretudo na crítica social que não deve ser feita de qualquer maneira e ficar atento as novas questões. Na nossa sociedade existem mudanças técnicas, econômicas, sociais, morais e políticas, entre outras.

É preciso ler, é preciso aprender a aprender e desaprender a nossa sociedade enquanto todo. O reggae precisa estar disposto a isto, mesmo que custe abrir mão de alguns valores tradicionais da cultura reggae.

Nos dias de hoje o virtual e a política são a tônica da nossa sociedade pós-moderna. É necessário diluir isso artisticamente e apresentar de uma forma poética, expressiva e com uma potência visceral para que isso faça as pessoas pensarem.


É preciso ler, é preciso aprender a aprender e desaprender a nossa sociedade enquanto todo, o reggae precisa estar disposto a isto, mesmo que custe abrir mão de alguns valores tradicionais da cultura reggae.

Nos dias de hoje o virtual e a política é a tônica da nossa sociedade pós-moderna. É necessário diluir isso artisticamente e apresentar de uma forma poética e expressiva para que isso faça as pessoas pensarem.

Não basta tocar reggae para aumentar o número de seguidores é urgente que se estimule as pessoas a pensarem por si mesmas. Mas e Zaratustra? E Jah? Nietzsche diria: - Jah está morto! Mas essa, ah! Essa, é uma outra conversa.
   
(Alex Domingos)